1.12.09

O tasco

Um copo de vinho, tinto, em cima da mesa de madeira, sem toalha e com manchas circulares, incompletas e sobrepostas.
Uma tábua com um queijo, de cabra, curado, rijo e brilhante; ao lado uma faca de lâmina côncava no fio, de tanto ser afiada.
Esperando o apetite que não tarda a chegar, o pão, denso e escuro, de côdea rija e estaladiça.
No bordo da mesa, tamborilando de leve, surdamente, quase imperceptível, os dedos grossos, calejados e encardidos.
Outra mão, parecida em idade e aspecto, arrasta a cadeira do outro lado da mesa e ela faz barulho na tijoleira aos quadradinhos, gasta e já estalada do chão.
A mão tamborilante abandona a borda da mesa para saudar num aperto de mão forte e áspero a outra mão que já deixou a cadeira, procedimento após o qual esboça esse movimento universal que significa "faça favor de se sentar".
O homem que puxou a cadeira senta-se, aliviando a tensão das calças de fazenda nos joelhos dobrados, deixando à vista as meias negras qeu já desceram do meio da perna paa o tornozelo.
A mão direita eleva-se com o indicador esticado, num pedido codificado dirigido ao moço que está atrás do balcão.
A mão esquerda tira a boina cinzenta e a direita alisa as farripas de cabelo que resistem sobre a calva já bem mais que franciscana.
Um segundo copo de tinto chega à mesa pelas mãos do moço do balcão, que chega de mangas arregaçadas mostrando os braços morenos e peludos. "Sr. António..." diz ao deixar o copo baixo e cilíndrico em cima da mesa, e regressa ao seu balcão.
Os olhos do primeiro homem ganham vivacidade e as rugas tornam-se mais pronunciadas à medida que os lábios se esticam num semi-sorriso rápido que lhe levanta as bochechas já pouco firmes, mas bem escanhoadas.
Sentado de pernas afastadas, com a barriga proeminente acomodada entre elas, inclina-se em direcção à mesa e corta duas fatias de pão. A faca tem a lâmina curta e há que fazer um círculo para alcançar toda a altura do pão. Corta depois, com certo esforço, o queijo, várias fatias algo quebradiças de tão curado.
Entretanto o segundo homem pegou no jornal desportivo poisado no parapeito da janela onde zune uma mosca tentando passar através do vidro.
É Segunda-feira, a capa do jornal traz, em grande plano, o jogador que marcou o holo do desempate ajoelhado na relva, de boca aberta num grito de vitória e as mãos a agarrar o fundo da camisola, esticando-a.
António poisa o jornal em cima da mesa, olha para o pão e o queijo cortados; olha para o amigo que limpa as mãos gordurosas a um guardanapo de papel retirado do dispensador amarelo da Lipton; respira fundo e leva o copo de vinho aos lábios.
Num canto elevado, sobre um suporte metálico aparafusado à parede, a televisão está ligada, quase sem som, no programa da tarde da RTP1. Oferece imagens dos apresentadores sorridentes, metidos em fatos bem passados a ferro e gravatas de seda e de apresentadoras igualmente sorridentes cujos cabelos anelados se agitam ao ritmo da gargalhada forçada e são puxados para trás pela mão de unhas perfeitamente pintadas.
Ambos os homens da mesa ao pé da janela comem, agora, cada um uma fatia de pão com queijo e comentam a notícia e o jogo do dia anterior.
Lá fora o Sol vai arrefecendo no fim de tarde, deixando douradas as folhas outonais dos plátanos da alameda.

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