30.4.09

Mario Benedetti

Há dois dias no jornal La Jornada um artigo informava que Mario Benedetti, escritor uruguaio de 89 anos tinha sido hospitalizado em Montevideo. Ora quando se é hospitalizado aos 89 anos o prognóstico dificilmente é bom.

Ontem a notícia saía também no El Universal que acrescenta que o estado do escritor é delicado.

Claro que não se relaciona a notícia com todas as outras de qualquer dos jornais, a gripe suína ainda não chegou ao Uruguai, pelo menos que se saiba. A minha preocupação não é essa.

Tenho a teoria de que um humano está preparado para sobreviver a um determinado número de adversidades da vida e que, chegando a esse limite, o corpo diz "Basta". Seguindo esta linha de raciocínio dir-se-ia que os humanistas como Mario Benedetti teriam, então menos tempo de vida que o comum dos mortais e que todos os desumanos que ainda vivem neste mundo (egoísticamente são-me indiferentes os outros mundos). No entanto, alguns humanistas parecm ser dotados de uma resistência excepcional e, mais uma vez no meu egoísmo, gostaria que Mario Benedetti tivesse mais um bocadinho de resistência, afinal, ele é um dos poucos velhos latino-americanos que, até que faleça, eu terei a esperança e o verdadeiro desejo de um dia conhecer.


Para quem não conhece Mario Benedetti recomendo a Wikipedia em português ou, melhor ainda em castelhano.

Nasce no Uruguai a 14 de Setembro de 1920. Até 1973, altura em que o golpe de estado o obriga a exilar-se participa em vários movimentos progressistas e consagra-se como escritor comlivros como Esta mañana e La trégua. O exílio durará 10 anos, tempo que passará na Argentina, Perú, Cuba e Espanha. Em 1983 volta ao Uruguai onde vive actualmente e continua as suas actividades de escritor e humanista. Publicou mais de 40 livros que foram traduzidos a 20 idiomas.


Deixo-vos qualquer coisinha de poesia deste senhor que também é um senhor na prosa.


Desde Los Afectos


¿Cómo hacerte saber que siempre hay tiempo?

Que uno sólo tiene que buscarlo y dárselo.

Que nadie establece normas salvo la vida.

Que la vida sin ciertas normas pierde forma.

Que la forma no se pierde con abrirnos.

Que abrirnos no es amar indiscriminadamente.

Que no está prohibido amar.

Que también se puede odiar.

Que el odio y el amor son afectos.

Que la agresión porque sí, hiere mucho.

Que las heridas se cierran.

Que las puertas no deben cerrarse.

Que la mayor puerta es el afecto.

Que los afectos nos definen.

Que definirse no es remar contra la corriente.

Que no cuanto más fuerte se hace el trazo más se dibuja.

Que buscar un equilibrio no implica ser tibio.

Que negar palabras implica abrir distancias.

Que encontrarse es muy hermoso.

Que el sexo forma parte de lo hermoso de la vida.

Que la vida parte del sexo.

Que el "por qué" de los niños tiene un por qué.

Que querer saber de alguien no es sólo curiosidad.

Que para saber todo de todos es curiosidad malsana.

Que nunca está de más agradecer.

Que la autodeterminación no es hacer las cosas solo.

Que nadie quiere estar solo.

Que para no estar solo hay que dar.

Que para dar debimos recibir antes.

Que para que nos den también hay que saber como pedir.

Que saber pedir no es regalarse.

Que regalarse es en definitiva no quererse.

Que para que nos quieran debemos demostrar qué somos.

Que para que alguien sea hay que ayudarlo.

Que ayudar es poder alentar y apoyar.

Que adular no es ayudar.

Que adular es tan pernicioso como dar vuelta la cara.

Que las cosas cara a cara son honestas.

Que nadie es honesto porque no roba.

Que el que roba no es ladrón por placer.

Que cuando no hay placer en las cosas no se está viviendo.

Que para sentir la vida no hay que olvidarse que existe la muerte.

Que se puede estar muerto en vida.

Que se siente con el cuerpo y la mente.

Que con los oídos se escucha.

Que cuesta ser sensible y no herirse.

Que herirse no es desangrarse.

Que para no ser heridos levantamos muros.

Que quien siembra muros no recoge nada.

Que casi todos somos albañiles de muros.

Que sería mejor construir puentes.

Que sobre ellos se va a la otra orilla y también se vuelve.

Que volver no implica retroceder.

Que retroceder también puede ser avanzar.

Que no por mucho avanzar se amanece cerca del sol.

¿Cómo hacerte saber que nadie establece normas salvo la vida?


- Mario Benedetti


28.4.09

O surto de gripe suína

Na televisão sucedem-se os avisos da Secretaria da Saúde. Recomendam usar máscaras cirúrgicas, evitar lugares concorridos, lavar as mãos frequentemente, não dar beijos nem apertos de mão. Cada intervalo de programação inclui pelo menos dois comunicados da Secretaria de Saúde. Entretanto pelo meio aparecem os anúncios de um Instituto Federal Eleitoral que tem demasiada necessidade de ganhar credibilidade para ser credível. Esses são mais, uns quatro por cada intervalo, já para não falar dos dos partidos, ocos, vazios, sem propostas, nem novidades.
Não sei se será pelo hábito de poder ou mesmo dever ignorar os anúncios do governo federal, mas as pessoas em San Cristóbal, de longe a cidade mais turística de Chiapas e onde chega mais gente vinda do Distrito Federal, não parecem preocupadas com a gripe suína. Na verdade é contradictório, as máscaras cirúrgicas esgotam-se nas farmácias e nos centros de saúde, mas a maioria das pessoas não anda com elas postas, não deixa de cuspir na rua e não tapa a boca quando tosse ou espirra. Talvez achem que a virgem de Guadalupe os vai proteger e, se não fosse o perigo de me contagiarem a mim, até me pareceria bem, numa perspectiva de selecção natural com base na inteligência. No entanto, tendo em conta que pode pôr em risco a minha saúde, não me agrada particularmente. A Organização Mundial da Saúde, nesta altura apresenta posturas contrastantes. Enquanto anuncia alarmisticamente a possibilidade de uma pandemia mundial espalhando o desespero disponibiliza reduzida informação e recomenda hábitos de higiene básicos para a prevenção na sua página na internet e não é capaz de apresentar previsões realistas, baseadas em modelos de simulação para a evolução da doença. Pelo menos nos próximos dias não haverá missas nuns quantos estados da república mexicana, já é certa sanidade no meio de tanta doença. Entretanto agrego a máscara cirúrgica aos adereços da moda exterior.
P.S.: Este jogo parece-me apropriado à situação :-)

26.4.09

Hoje ofereci um Cravo


Costumo dizer que o Ateneu de Coimbra é melhor colectividade da cidade e acredito piamente no que digo.
Foi fundado a 1 de Dezembro de 1940 e desde então que cumpre funções sociais e culturais, na Sé Velha e para toda a cidade de Coimbra. Para não fazer aqui o rol das actividades do Ateneu convido os leitores a darem uma olhadela aqui. Está um bocadinho desactualizado, mas há-de melhorar em breve.
O Ateneu de Coimbra sempre se caracterizou por ser uma associação progressista, tanto durante a ditadura como depois da conquista da liberdade para a qual também deu a sua contribuição. Entre os seus sócios (actuais e já desaparecidos) contam-se vários nomes da resistência antifascista que tem sempre honrado, ao longo dos anos, assegurando que a cidade de Coimbra comemora a Revolução e afirma os seus ideais.
Na ausência de comemorações oficiais ou frente ao absurdo de algumas das iniciativas camarárias no 25 de Abril (como foi o concerto de Netinho na praça da canção num dos mandatos de Manuel Machado(PS)) o Ateneu assegurou que todos os democratas da cidade tivessem onde e como celebrear o dia da Liberdade. Sabendo que Abril não significa individualismo igualmente o Ateneu junta os seus esforços, sem protagonismos nem sectarismos a outras entidades que queiram comemorar a Revolução, como sucedeu este ano.
Sou uma orgulhosa (apesar de temporariamente afastada geograficamente) sócia do Ateneu de Coimbra e tenho o hábito de me juntar às comemorações que organiza para o 25 de Abril. Nessa ocasião costumo oferecer cravos aos meus amigos, aos meus camaradas, àqueles de quem gosto e que eu sei que vão apreciar o presente. Àqueles que sabem que é provavelmente o presente mais bonito que posso dar a alguém, um cravo vermelho.
Já que não pude ir ao concerto no TAGV nem ver o PIDE arder nos Jardins da AAC, hoje ofereci um Cravo.

Não fazer falta

Detesto estar longe no 25 de Abril.
No ano passado aconteceu-me o mesmo e pela primeira vez.
Dia 24 às 6 menos qualquercoisa da tarde (quase meia noite em Portugal Continental) liguei para o telemóvel da minha mãe porque queria ouvir a Grândola na festa do Ateneu de Coimbra. Queria saber que se estava a queimar o PIDE e queria ouvir aquelas vozes todas a gritar "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!" no fim, mas a recepção é muito má dentro do centro cultural D.Dinis e a chamada caiu antes que pudesse ouvir sequer os primeiros versos da canção. Liguei ansiosamente para todos os números que tinha comigo de camaradas e amigos que sabia que estariam ali, mas não consegui estabelecer chamada com nenhum. Saí da "caseta telefónica" muito desconsolada, mas certa de que se não ouviam os telemóveis era porque tudo corria bem e havia muita gente.
Este ano a 24 voltei a ligar às 6 menos pouco da tarde daqui, mais uma vez para ouvir a Grândola na festa que o Ateneu co-organizou. Desta vez estavam no TAGV e depois nos Jardins da AAC e ouvi a Grândola e os gritos no fim e eram "Muitos, muitos mil para continuar Abril".
Falei com o namorado, com a mãe, com o pai, com amigos e fiquei com um sabor mais doce na boca do que no ano passado embora em nada se compare com o mel. Sabe muito bem que tanta gente tenha querido partilhar o 25 de Abril comigo. Mas mesmo bom é saber que não faço falta.

25.4.09

Revolução dos Cravos




A fotografia é de Eduardo Gageiro, a transformação é minha e tem alguns anos. A frase é da Canção "Força Força, Companheiro Vasco" do Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo.
Espero que gostem.
É das minhas fotografias preferidas das Forças armadas, acho que ilustra bem as origens dos soldados da Guerra Colonial.

No 25 de Abril

É pouco para um post do 25 de Abril e se não estivesse tão longe podem ter a certeza que ainda seria menos. Porque o 25 de Abril não é para se passar em frente ao computador escrevendo para a blogosfera. É para se passar na rua afirmando-o, em luta e em festa, porque a liberdade implica ambas e os ideais de Abril são bonitos demais para não se lutar por eles e para não provocarem alegria.

Bom 25 de Abril!

Bicicleta em San Cristóbal

A bicicleta é, sem dúvida, a melhor maneira de chegar de um sítio a outro em San Cristóbal. Além das endorfinas que se libertam no cérebro por causa da actividade física é brilhante poder chegar ao centro em 10 minutos seja a que hora seja, sem ter que considerar o factor trânsito.
Transportando-nos em bicicleta evitamos esperar pelo autocarro que, apesar de passar bastante amiúde, não costuma ultrapassar os 20 km/h (este parêntesis serve para explicar que o anterior se deve ler “vinte kilómetros por hora” e não ”vinte kilómetros hora” que seria uma grandeza completamente diferente da velocidade já que a velocidade é distância percorrida por unidade de tempo e não distância percorrida multiplicada pelo tempo). Esta velocidade do autocarro combinada com a confluência de demasiados veículos nas ruas estreitas do centro faz com que a viagem dure de 20 a 40 minutos dependendo da hora do dia.
A bicicleta torna as deslocações na cidade muito mais amenas e permite, fugindo das ruas estreitas e das casas empilhadas, em direcção aos arredores de casas de madeira junto às margens de ribeiras, com bonitos jardins e zonas de churrascos no meio dos pinheiros, chegar ao parque que se apresenta aqui.

Mas quando decidimos disfrutar das vantagens de nos tranportarmos em bicicleta temos que estar preparados para o desenvolvimento de alguns odiozinhos de estimação.
Embora uma grande percentagem da população se desloque em bicicleta não existe uma cultura de respeito pelos ciclistas entre os automobilistas. Devo admitir que essa falta de civismo se estende aos ciclistas que, de forma geral, não cumprem qualquer regra de trânsito, sendo mesmo comum encontrar ciclistas circulando em contra-mão.
Pessoalmente tenho o cuidado de seguir as regras de trânsito, ainda assim é conveniente assumir que todas as outras pessoas que circulam na via pública desconhecem qualquer regra de trânsito, para assegurar a sobrevivência. E, na verdade, não é partir de um falso princípio já que aqui se compra literalmente a carta de condução. Não é preciso ter aulas nem fazer qualquer exame, nem de código nem de condução.
Nem todos os automobilistas são temíveis, há uns piores que outros. Eu tenho as vísceras dedicadas a dois tipos de condutores muito específicos: os condutores dos colectivos e os taxistas.
Os condutores de colectivos, sejam os veículos Wolkswagens transformadas ou Microbuses, têm um retorcido prazer que não entendo em arrancar quando um ciclista os está a ultrapassar numa das suas inúmeras paragens para recolher ou deixar passageiros. Nenhum parece saber que os piscas se podem usar de forma direccional além de como luzes de emergência e alguns desconhecem até esta última função. Isto faz com que nunca se saiba quando vão parar ou para que lado irão. Quando o ciclista, ao ultrapassar o colectivo, se encontra ao lado da janela do condutor este arranca, impedindo-o de fazer a dita ultrapassagem. Este é um comportamento generalizado, que afecta quase todos os condutores de colectivos (salvo muito raras e honrosas excepções), motivo pelo qual eu desenvolvi a teoria de que as diversas associações de conductores promovem acções de formação sobre os comportamentos a assumir no caso de uma tentativa de ultrapassagem por parte de um ciclista.
Com os taxistas é diferente, estes desenvolveram várias estratégias mais requintadas para fazer a vida negra aos ciclistas e tendem a ser também bastante descivilizados com os peões não estão à procura de um taxi. Tendo em conta a frequência com que apertam os ciclistas contra as paredes ou lhes cortam o passo, o fecham as curvas para que tenham que parar e considerando as travagens bruscas, os arranques sem ver quem vem circulando antes de reentrar na via e as aberturas de porta que quase fazem com que esta quase seja arrancada pelo veículo circulando, cheguei mesmo a pensar que tinha reuniões para intercambiar estratégias de incómodo dos demais utilizadores da estrada. Inclusivamente achei que tinham algum tipo de control, um horário ou calendário de actividades a cumprir sob pena de pesadas represálias que poderiam chegar ao linchamento pelos seus colegas de profissão no caso de não ser cumprido o plano. Poderia mesmo ser uma reunião como as de um culto aqui ao pé de minha casa onde cantam de mãos erguidas para os céus e fazem sermões onde a expressão "Dios, nuestro señor" ou "Cristo, salvador" aparecem umas três vezes por minuto, transmitidos por uns altifalantes que impedem toda a rua de os ignorar ou mesmo de estar simplesmente em sossego dentro de casa.
Ainda não consegui compreender nenhum dos grupos referidos, mas sem dúvida detesto-os (os do culto aqui ao pé de casa especialmente). No entanto gosto mais da minha bicicleta do que detesto estes condutores, além de que sou mais teimosa que uma mula e, portanto, não deixaria de andar de bicicleta por causa deles.
Outra situação particularmente curiosa é que só exista um único sítio no centro para estacionar as bicicletas sem que sejam levadas pela polícia. Inclusivamente se nos sentarmos numa esplanada a tomar algo com a bicicleta ao lado seremos interpelados pela polícia que nos dirá que não podemos ter a bicicleta ali. É, para mim, incompreensível que o uso de bicicletas seja considerado como inestético pelo Ayuntamiento, geralmente é algo que atrai o turismo, mas, neste caso, as bicicletas são acumuladas num único sítio para não estragarem o valor estético deste "Pueblo Mágico" com a sua arquitectura colonial. Curiosamente esse sítio é precisamente a praça em frente à Catedral mais conhecida e fotografada de todo o estado de Chiapas, mas há coisas que eu já assumo que não são para perceber.
Posso dizer que San Cristóbal consegue criar condições muito adversas para os ciclistas, mas conta com duas características que lhe assegurarão a sua presença, é plano e o nível de ingressos da maioria dos seus habitantes faz da bicicleta o meio de transporte mais acessível. E, verdade seja dita, não há forma mais deliciosa de percorrer distâncias que de bicicleta, com o ventinho na cara e a sensação de que essa força que te impulsa é tua.

24.4.09

EUA e a estratégia para Cuba

Hoje fui ao meu café do costume em San Cristóbal. É o meu preferido porque os que lá trabalham têm sempre um sorriso e um atendimento simpático (é um dos motivos pelos quais acho que não podem ser tão mal pagos como a maioria), têm bom café, bons sumos e algo que me faz sentir mais em casa. Têm o jornal, um jornal nacional de pseudo-esquerda, que, bem vistas as coisas já não é mau no panorama da comunicação social mexicana. Embora em Portugal qualquer café que se preze tenha pelo menos um jornal local à disposição do cliente (tipicamente com o nome do café escrito no topo da primeira página a esferográfica bic cristal ou alguma de oferta de campanha eleitoral, PS ou PPD-PSD geralmente), isso não é prática comum no México, ou pelo menos em Chiapas.

O jornal que compram neste café é La Jornada. Publica artigos dos mais diversos assuntos e os artigos de opinião, uns mais responsáveis, reflectidos e mais justos que outros, são tipicamente de tendência de esquerda. Não posso dizer que seja o meu jornal preferido e posso mesmo dizer que é perfeitamente vendido em diversos temas e tendencioso de forma muito pouco revolucionária a maioria das vezes. Mas é, ainda assim, dos menos maus e através dele fiquei a conhecer as declarações do novo potencial embaixador dos EUA no México sobre Cuba.

O ilustre senhor, Carlos Pascual de seu nome, dizia que Brasil, México, Espanha, Canadá e União Europeia são países com os quais os EUA mantêm diálogo e que esse diálogo sobre os direitos humanos em Cuba tinha que continuar “Se podemos definir o princípio de que temos o mesmo objectivo de dar poder aos cubanos para mudar a política do seu país temos uma melhor oportunidade”.

Diz isto o nomeado para embaixador do país que ficou de fora do conselho para os direitos humanos da ONU, preterido por esse mesmo país onde segundo o EUA não se respeitam os direitos humanos.

Igualmente diz, ao bom estilo estadunidense, falando da estratégia a adoptar em relação a Cuba: “Essa estratégia tem que ser baseada em dar apoio e recursos aos cubanos dentro da ilha e em que a mudança tem que vir de dentro”. Apoio, recursos, eu entendo logística, dólares, não sei bem porquê mas lembra-me a estratégia que usaram contra o governo da Unidade Popular,democraticamente eleito no Chile.

Mas não se poderia esperar muito mais do escolhido pelo mesmo governo que antes da conferencia das américas tem a medida populista e de fachada de “aliviar” o bloqueio contra Cuba em vez de o levantar como compete a qualquer verdadeiro defensor dos direitos humanos. Mas levantar o bloqueio seria demais para alguém que não procura uma mudança mais profunda do que uma simples operação plástica, seria vontade política a mais para o senhor Obama assim como para qualquer dos seus nomeados.

A única coisa que eu não percebo é como é que ainda anda tanta gente enganada com este senhor. Afinal, assim como o hábito não faz o monje, a melanina não é fonte de bondade nem de sentido justiça.

22.4.09

Abril nos Altos de Chiapas

Está a acabar a época seca e aparecem os primeiros chuviscos que mais que produtivos são incómodos. Não serve ainda, ainda hão-de vir dias em que não chove. Ainda não se pode semear o milho, senão ele vai germinar e secar e terá que se semear outra vez em Maio.
Mas saindo um pouco de San Cristóbal rumo às comunidades agrícolas e madeireiras dos Altos, já por toda a parte se vê a terra a ser preparada, desde o fumo que se eleva das chamas baixas das queimadas até às terras já sulcadas pelo arado, prontas para receber o milho. Daqui a um mês deixar-se-á cair o precioso cereal em grupos de três ou quatro grãos em cada buraquinho que dista um metro do anterior e outro metro do seguinte. Assim, certinha e a eito, a primeira sementeira do ano.
Assim se começa a “milpa”. Roça-se o que ficou da colheita anterior ou cortam-se os troncos finos dos arbustos se a terra esteve em pousio e deita-se-lhe fogo, “roza-tumba-quema”, e depois o arado, motorizado se há sorte e descendo em grau de indústria até à enchada se a sorte só bateu a outras portas. Depois a sementeira, de milho branco, branquinho é que se quer, ou desse arroxeado que vi cá pela primeira vez. Amarelo não, esse, aprendi eu cá também, é para ração, para os animais. Como haveriam eles de fazer broa se desprezam assim essa delícia? Mas é preciso ter em atenção que o México é centro de origem do milho, que tem inúmeras variedades diferentes desta gramínea (Poaceae para os mais exigentes) e uma cultura milenar do seu uso na alimentação. Eles hão-de saber melhor que nós que só há uns séculos é que o começámos a usar. Mas eu cá tenho saudades da broa de milho amarelo, tenho tenho, quentinha e com manteiga.
Mais tarde hão-de deitar à terra o feijão, junto do milho, para que se agarre à sua cana forte e alta, sem precisar de mais suporte, mas ainda estamos em Abril, ainda as chuvas não são certas e nem o milho está ainda na terra.
Os bosques ainda estão meios acastanhados, excepto os de pinheiro claro, mas quase todos ficam assim, acastanhados, baços, contrastando com as margens dos ribeiros, essas sempre vestidas de verdes vivos e tenros. Quando olhamos as montanhas elas estão escuras, cheias de copas de árvores sedentas, quase quase no limite da sua resistência à seca, mas aguentando-se ainda, à espera do tempo em que a chuvinha é diária, o fotoperíodo é grande e se pode crescer e crescer à vontade! Em vez de sobreviver e largar folhas para não perder água. Algumas aproveitam já estas chuvas iniciais e incertas para pintar de um verde menos apagado as suas folhas e dos Quercus saem rebentos tenros e vermelhos, macios e aveludados, com aspecto de adorno natalício em plena Primavera.
Abril nos Altos de Chiapas é para ser disfrutado. São os dias mais quentes do ano e também os últimos em que pode ser que não chova toda a tarde até chegar Novembro e nessa altura, mesmo que saia o Sol, vai estar um frio de rachar. Aqui Abril é o último mês do ano em que não se sente congelar os dedos quando se pega na bicicleta pela manhã e em que ainda se pode esquecer o impermeável em casa e não voltar a ela encharcado ao fim da tarde. Também é o último mês do ano em que se pode fazer trabalho de campo durante a tarde sem passar o tempo a olhar o céu de soslaio, com medo que nos caia em cima de repente e deite a perder os apontamentos que tirámos a manhã toda.
Sim, Abril é um mês porreiro aqui, mas devo admitir que, apesar de ser algo incómoda, a época de chuvas também tem o seu encanto, mas eu depois conto, quando ela chegar eu conto.

21.4.09

Apagões colectivos

Aqui há tempos soube de mais uma dessas iniciativas de apagar as luzes durante cinco minutos de forma sincronizada pelo menos ao nível nacional como estratégia de luta simbólica contra o aquecimento global.
Ora, eu sou uma pessoa particularmente preocupada com dita situação, embora sem chegar a extremos de deixar de usar o computador o frigorífico ou transportes motorizados quando preciso deles. No entanto, este tipo de iniciativas desagrada-me particularmente. E desagrada-me porque me parece hipócrita. Posso apostar, com relativa margem de segurança, que uma boa percentagem das pessoas que apagaram as luzes esses cinco minutos deixa o computador ligado toda a noite para acabar de "sacar" umas séries do eMule, ou tem a televisão ligada todo o dia sem sequer olhar para ela, mantém as gambiarras de Natal ligadas duas semanas a fio na varanda, liga o aquecedor em vez de vestir uma camisola por cima da t-shirt em Dezembro e leva o carro para todos os lados embora nunca encontre lugar para o deixar e dê mil voltas para o conseguir estacionar (gastando ainda mais gasolina) em vez de apanhar o autocarro, o metro ou caminhar esses dez minutos até ao café da esquina onde costuma ir ter com os amigos.
Mas todas estas pessoas energeticamente irresponsáveis irão dormir de consciência tranquila, pensado que já fizeram tudo o que estava ao seu alcance para salvar o planeta, sem reflectir nos seus comportamentos quotidianos e muito menos nas políticas mundiais, nacionais ou sequer municipais. Sem pensar que o aquecimento global é produto da mesma forma de organização social que saqueia as riquezas do planeta incluídas as aspirações dessas mesmas pessoas que, tão obedientemente como votam no bloco central e apertam os cintos para pagar a crise, apagam as luzes durante cinco minutos. Agradecidas por poderem participar neste acto tão solidário que por cinco minutos as aproxima (de forma relativa e simbólica claro) de todos aqueles que vivendo sem as vantagens da energia eléctrica pagam as consequências do aquecimento, esse sim global.

Mas não lutemos por qualquer transformação! Pelo futuro dos nossos filhos e netos, apaguemos antes as luzes que assim é mais fácil ignorar a realidade e dormir tranquilo!