18.6.10

Saramago

Aos 16 anos li o Evangelho segundo Jesus Cristo, recém chegada do Primo Basílio, Do crime do Padre Amaro e do sempre delicioso Conde de Abranhos. Infelizmente não voltei a ler Eça (embora me faltem vários de leitura quase obrigatória), mas nunca deixei de ler Saramago.

Quando, no México, senti o português a fugir por fala de prática pedi aos meus pais livros do Saramago . Naturalmente gosto mais de uns do que de outros (tipicamente mais dos mais antigos e menos dos mais recentes). Uns deram-me grandes delícias, outros consideráveis desilusões (sobretudo ao nível da história). O que guardo sempre de Saramago e lhe agradeço profundamente é a delícia da sua escrita cuidada (embora o castelhano tenha feito os seus estragos), aliada à sua enorme e fértil imaginação. A sua mestria na cativante descrição das relações entre personagems perfeitamente monótonas e desse fluído encadear de divagações às vezes tortuosas, sem nunca perder o fio da história.

Claro que também me indignei muitas vezes com as suas palavras, a meu ver irreflectidas em diversas ocasiões. Mas de Saramago guardo a memória de muitas horas bem passadas, na companhia de marinheiros em terra, construtores de passarolas, cães que secavam lágrimas, almuadens e revisores, profetas que conversam com Deus e o Diabo, oleiros, formigas que tudo testemunham, bichos do caruncho que matam ditadores, mulheres a dias que de barcos fazem ilhas, pastores que trocam números de campas no cemitério e tantos outros, tão cinzentos e interessantes ao mesmo tempo. E, sem nada de literário, também guardo a memória de um aperto de mão muito mais firme do que a minha idade permitia corresponder.

4 comentários:

  1. Subscrevo as tuas palavras... após a morte, tão natural como a vida, fica a memória, o exemplo e a obra. Continuemos a lê-lo, essa é a meu ver, a nossa melhor homenagem.

    AnaR

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  2. Saramago é um dos nossos maiores e a referência máxima das letras portuguesas.
    Ainda bem que "chegaste até aqui".
    Um abraço

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  3. A nossa vida seria diferente, muito mais pobre, sem Saramago. E, mesmo assim (se calhar por isso), continua actual a exclamação recorrente do João da Ega.

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