25.4.09

Bicicleta em San Cristóbal

A bicicleta é, sem dúvida, a melhor maneira de chegar de um sítio a outro em San Cristóbal. Além das endorfinas que se libertam no cérebro por causa da actividade física é brilhante poder chegar ao centro em 10 minutos seja a que hora seja, sem ter que considerar o factor trânsito.
Transportando-nos em bicicleta evitamos esperar pelo autocarro que, apesar de passar bastante amiúde, não costuma ultrapassar os 20 km/h (este parêntesis serve para explicar que o anterior se deve ler “vinte kilómetros por hora” e não ”vinte kilómetros hora” que seria uma grandeza completamente diferente da velocidade já que a velocidade é distância percorrida por unidade de tempo e não distância percorrida multiplicada pelo tempo). Esta velocidade do autocarro combinada com a confluência de demasiados veículos nas ruas estreitas do centro faz com que a viagem dure de 20 a 40 minutos dependendo da hora do dia.
A bicicleta torna as deslocações na cidade muito mais amenas e permite, fugindo das ruas estreitas e das casas empilhadas, em direcção aos arredores de casas de madeira junto às margens de ribeiras, com bonitos jardins e zonas de churrascos no meio dos pinheiros, chegar ao parque que se apresenta aqui.

Mas quando decidimos disfrutar das vantagens de nos tranportarmos em bicicleta temos que estar preparados para o desenvolvimento de alguns odiozinhos de estimação.
Embora uma grande percentagem da população se desloque em bicicleta não existe uma cultura de respeito pelos ciclistas entre os automobilistas. Devo admitir que essa falta de civismo se estende aos ciclistas que, de forma geral, não cumprem qualquer regra de trânsito, sendo mesmo comum encontrar ciclistas circulando em contra-mão.
Pessoalmente tenho o cuidado de seguir as regras de trânsito, ainda assim é conveniente assumir que todas as outras pessoas que circulam na via pública desconhecem qualquer regra de trânsito, para assegurar a sobrevivência. E, na verdade, não é partir de um falso princípio já que aqui se compra literalmente a carta de condução. Não é preciso ter aulas nem fazer qualquer exame, nem de código nem de condução.
Nem todos os automobilistas são temíveis, há uns piores que outros. Eu tenho as vísceras dedicadas a dois tipos de condutores muito específicos: os condutores dos colectivos e os taxistas.
Os condutores de colectivos, sejam os veículos Wolkswagens transformadas ou Microbuses, têm um retorcido prazer que não entendo em arrancar quando um ciclista os está a ultrapassar numa das suas inúmeras paragens para recolher ou deixar passageiros. Nenhum parece saber que os piscas se podem usar de forma direccional além de como luzes de emergência e alguns desconhecem até esta última função. Isto faz com que nunca se saiba quando vão parar ou para que lado irão. Quando o ciclista, ao ultrapassar o colectivo, se encontra ao lado da janela do condutor este arranca, impedindo-o de fazer a dita ultrapassagem. Este é um comportamento generalizado, que afecta quase todos os condutores de colectivos (salvo muito raras e honrosas excepções), motivo pelo qual eu desenvolvi a teoria de que as diversas associações de conductores promovem acções de formação sobre os comportamentos a assumir no caso de uma tentativa de ultrapassagem por parte de um ciclista.
Com os taxistas é diferente, estes desenvolveram várias estratégias mais requintadas para fazer a vida negra aos ciclistas e tendem a ser também bastante descivilizados com os peões não estão à procura de um taxi. Tendo em conta a frequência com que apertam os ciclistas contra as paredes ou lhes cortam o passo, o fecham as curvas para que tenham que parar e considerando as travagens bruscas, os arranques sem ver quem vem circulando antes de reentrar na via e as aberturas de porta que quase fazem com que esta quase seja arrancada pelo veículo circulando, cheguei mesmo a pensar que tinha reuniões para intercambiar estratégias de incómodo dos demais utilizadores da estrada. Inclusivamente achei que tinham algum tipo de control, um horário ou calendário de actividades a cumprir sob pena de pesadas represálias que poderiam chegar ao linchamento pelos seus colegas de profissão no caso de não ser cumprido o plano. Poderia mesmo ser uma reunião como as de um culto aqui ao pé de minha casa onde cantam de mãos erguidas para os céus e fazem sermões onde a expressão "Dios, nuestro señor" ou "Cristo, salvador" aparecem umas três vezes por minuto, transmitidos por uns altifalantes que impedem toda a rua de os ignorar ou mesmo de estar simplesmente em sossego dentro de casa.
Ainda não consegui compreender nenhum dos grupos referidos, mas sem dúvida detesto-os (os do culto aqui ao pé de casa especialmente). No entanto gosto mais da minha bicicleta do que detesto estes condutores, além de que sou mais teimosa que uma mula e, portanto, não deixaria de andar de bicicleta por causa deles.
Outra situação particularmente curiosa é que só exista um único sítio no centro para estacionar as bicicletas sem que sejam levadas pela polícia. Inclusivamente se nos sentarmos numa esplanada a tomar algo com a bicicleta ao lado seremos interpelados pela polícia que nos dirá que não podemos ter a bicicleta ali. É, para mim, incompreensível que o uso de bicicletas seja considerado como inestético pelo Ayuntamiento, geralmente é algo que atrai o turismo, mas, neste caso, as bicicletas são acumuladas num único sítio para não estragarem o valor estético deste "Pueblo Mágico" com a sua arquitectura colonial. Curiosamente esse sítio é precisamente a praça em frente à Catedral mais conhecida e fotografada de todo o estado de Chiapas, mas há coisas que eu já assumo que não são para perceber.
Posso dizer que San Cristóbal consegue criar condições muito adversas para os ciclistas, mas conta com duas características que lhe assegurarão a sua presença, é plano e o nível de ingressos da maioria dos seus habitantes faz da bicicleta o meio de transporte mais acessível. E, verdade seja dita, não há forma mais deliciosa de percorrer distâncias que de bicicleta, com o ventinho na cara e a sensação de que essa força que te impulsa é tua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário